Tragédia em Luciara expõe uma dor antiga: o suicídio entre indígenas da Ilha do Bananal se repete, ignorado por políticas públicas e amplificado por conflitos, álcool e abandono.
Por Simone Nascimento. Fonte: Periódico UFSM; Narubia Werreria – Carta Capital; Senado Federal e Povos Indígenas do Brasil
Luciara (MT), 19 de abril de 2025.
Enquanto o país lembrava o Dia dos Povos Indígenas com discursos e cerimônias oficiais, o povo Karajá vivia mais um luto silencioso. Por volta das nove da noite, Felipe Temyjua Siromaru Santiago, 34 anos, foi encontrado sem vida após uma briga familiar. O episódio, marcado por desentendimentos com a esposa e o consumo de álcool, terminou com o jovem indígena tirando a própria vida em sua residência, onde havia retornado depois de ser expulso e buscar abrigo na casa da irmã, na Unidade Descentralizada de Justiça Karajá (UDJK).
O corpo de Felipe foi sepultado nesta manhã, no mesmo território onde ele nasceu, cresceu e lutou para ser ouvido — uma luta que muitos ainda travam. Não é o primeiro. Não será o último, se nada for feito.
Um ciclo que se repete
A morte de Felipe não foi um caso isolado. No início de abril, uma adolescente Karajá de apenas 13 anos também cometeu suicídio na aldeia Itxala, no município de Santa Terezinha. De novo, uma briga familiar. De novo, uma jovem vida interrompida por uma dor que transborda as palavras.
Esses casos reacenderam um grito coletivo dentro da comunidade: o pedido de socorro. “A gente está precisando de ajuda. Os nossos jovens estão se matando. Tem que ter um projeto, alguma coisa que tire da cabeça deles essas besteiras. Isso aqui é muito comum. A gente está gritando socorro”, desabafa um dos líderes da comunidade, filho de cacique, em áudio emocionado.
Ele menciona o Baixo Araguaia como uma das regiões mais afetadas e clama por atenção às aldeias de Santa Isabel, Fontoura, UDJK, entre outras. O pedido não é novo — mas tem sido constantemente ignorado.
Dados alarmantes (e invisíveis)
Estudos acadêmicos e relatórios internos confirmam o que os Karajá já sabem há muito tempo. Entre 2010 e 2016, foram registrados 41 suicídios entre os Karajá, segundo pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria. Mais de 60% das vítimas tinham entre 10 e 19 anos.
Esse dado, embora desatualizado, escancara uma ferida antiga: o suicídio é uma das principais causas de morte entre jovens indígenas no Brasil. Entre os povos da Ilha do Bananal — como os Karajá e Javaé —, o problema é ainda mais grave, associado a fatores como:
- Desestruturação familiar e perda de vínculos tradicionais
- Consumo de álcool e drogas, muitas vezes iniciados na adolescência
- Desemprego, subemprego e falta de perspectivas
- Ausência de atendimento psicológico e culturalmente adequado
- Negligência histórica por parte do Estado
Um povo esquecido (e resiliente)
“A verdade é que o povo Karajá é esquecido. Não só nós, mas todos os indígenas da Ilha do Bananal. Quem conhece essa realidade sabe o que estou falando”, relata a mesma fonte que prefere não ser identificada.
A Ilha do Bananal, considerada o maior território fluvial do mundo, abriga dezenas de aldeias indígenas que resistem à marginalização imposta por séculos. Ali, a cultura se mantém viva por meio do idioma Iny, dos rituais ancestrais e da luta constante pela terra e pela dignidade. Mas a dor dos jovens tem falado mais alto.
Narubia Werreria, liderança Karajá e uma das primeiras mulheres indígenas a se formar em Direito no Brasil, já alertava para isso em 2014, após a perda de oito jovens em sua aldeia natal. Desde então, sua militância tem sido um farol para outras comunidades. “A morte de um jovem é um colapso de tudo: da cultura, da saúde, da esperança. Eles estão dizendo que não aguentam mais. E ninguém escuta”, afirmou, em entrevista anterior.
O que pode ser feito?
A comunidade pede projetos urgentes de valorização da vida. Não apenas assistência psicológica, mas também iniciativas voltadas à cultura, à identidade e à autoestima dos jovens.
“Tem que ter alguma coisa. Um projeto mesmo, que tire essas ideias ruins da cabeça dos jovens. Precisamos resgatar eles. Eles estão perdidos”, conclui o filho do cacique.
A proposta é clara: programas de prevenção ao suicídio que respeitem os saberes tradicionais, com escuta ativa, presença contínua e ações desenvolvidas com e para os indígenas — e não impostas de fora para dentro.
Reflexão necessária
No Dia do Índio, o Brasil se orgulha das cores, dos cocares e das danças. Mas ignora os caixões que saem das aldeias. Os números, os rostos e os nomes. Felipe Temyjua Siromaru Santiago agora faz parte de uma estatística que só cresce porque o Estado fecha os olhos.
O povo Karajá não precisa de homenagens protocolares. Precisa de socorro. E de respeito. O tipo de respeito que salva vidas.
Por Simone Nascimento com colaboração de Sanfa de Mel e Baixo Araguaia
Reportagem dedicada à memória de Felipe Temyjua Siromaru Santiago e à juventude indígena da Ilha do Bananal.
SIGA-NOS NAS NOSSAS REDES SOCIAIS: Facebook: @gncomunicacaoenoticias Instagram: @gncomunicacao/ GN TV ONLINE NO YOUTUBE – Clique Aqui e ative o sininho em TODAS Entre em nosso grupo do WhatsApp Clique aqui