Maior produtor de grãos do país, Mato Grosso também é o estado com maior número de mortes em silos
Osmar Baldani de Freitas, de 53 anos, em 24 de maio de 2018, após alguns meses de trabalho em um silo em Marcelândia, ele e outras três pessoas, estavam dentro do armazém agrícola quando ele foi puxado, depois que um funcionário acionou o botão do equipamento, e teve parte de uma perna arrancada.
“Estou vivo porque Deus colocou a mão. Perdi uma perna, ficou lá. Foi naquela rosca. Ela comeu a perna e se pega mais um pouco comia eu inteiro. O que eu falo para pessoas que trabalham em lugar assim é para ter muito cuidado, porque a vida ali se vai em um piscar de olhos”.

Trabalhar em silo é sentença de morte?
O acidente de Baldani não foi um caso isolado em Mato Grosso, mas faz parte de um padrão no estado, que é o maior produtor de soja, milho e algodão do país, com 21,1% do valor de produção agrícola, segundo dados da PAM (Produção Agrícola Municipal), divulgados em 14 de setembro deste ano pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e, também, registrou mais mortes e acidentes em armazéns agrícolas no Brasil.
De acordo com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), Mato Grosso tem a maior capacidade estática e espaço de armazenagem do país. São 2.557 edificações dentre silos, graneleiros e armazéns convencionais, que perfazem um total de 48.257.378 toneladas de capacidade estática, que é a quantidade de produto que pode ser armazenado na estrutura física do armazém ou silo.
E foram nesses espaços que cinco pessoas morreram em 2021, no estado. No ano seguinte, em 2022, o número subiu para 15 mortes. Neste ano, até o mês de agosto, morreram 8 pessoas em silos, conforme levantamento feito pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) em Mato Grosso.

O último acidente noticiado no estado foi em 22 de setembro, quando um trabalhador de 28 anos sofreu uma queda de 12 metros, após a passarela do silo em que ele trabalhava ceder.

O acidente foi em Nova Mutum, a 269 km de Cuiabá, na construção do armazém às margens da MT-249, na zona rural do município. Ele sofreu escoriações nos braços e pernas e foi encaminhado para o hospital.
Outras duas vítimas também estavam na passarela e sofreram a queda, porém foram retiradas e encaminhadas por terceiros para receber atendimento, sem ferimentos graves.
Mortes se concentram em MT
O auditor-fiscal do Trabalho e coordenador do projeto de fiscalização em silos e armazéns no Rio Grande do Sul, Rudy Allan Silva da Silva, que analisa os acidentes no país e tem como fontes as certidões de óbito, notícias e litígios judiciais, explica que os eventos com mortes têm raízes muitos parecidas e resultados muito próximos, quando na maioria das vezes, há múltiplas vítimas.
Em suas pesquisas, ele verificou que os acidentes em silos fizeram 24 vítimas no ano de 2022 em Mato Grosso. No Paraná foram 13, já no Rio Grande do Sul foram 8. Em Minas Gerais e Santa Catarina chegaram a 7 e em Mato Grosso do Sul o total foi de 6.
Já os municípios com mais de um evento no ano passado foram: Sorriso (3), Sinop (2), Nova Mutum (2), Londrina (2), Chapadão do Sul (2) e Bagé (2).

Quem tenta ajudar também morre
Entre as vítimas que morreram neste ano em Mato Grosso estão Carlos da Silva, de 57 anos, e Benedito Aparecido da Silva, de 52 anos, que ficaram soterrados em um armazém de grãos de uma propriedade rural de Diamantino, a 299 km de Cuiabá, em 26 de junho.

Segundo o depoimento de uma testemunha, Carlos teria sido o primeiro a cair no silo. Benedito, ao tentar ajudar o colega de trabalho, caiu em seguida.
Para o Chefe da Seção de Fiscalização do Trabalho em Mato Grosso, Silvio José Sidney Teixeira, a ação de Benedito revela algo comum do ser humano: o impulso de ajudar o outro, mesmo sem ter acesso aos equipamentos necessários ou preparo para tal.
“Como que você vai pensar diferente? A pessoa identifica que ela foi sugada, pede socorro, pede ajuda, e no instinto de tentar ajudar muitos morrem, também”.
A angústia dos resgates
O major Diego Oliveira dos Reis, do Corpo de Bombeiros de Mato Grosso, lembra que foram mais de 10 horas para retirar Carlos e Benedito de dentro do armazém, após ficarem cobertos por toneladas de grãos.
“Demorou porque o silo estava cheio e naquele procedimento eles tinham que esvaziar para estar acessando as vítimas. Dependendo das unidades de armazenamento das empresas, fazem o remanejamento. Conversei com a guarnição que atendeu a ocorrência e eles falaram que tiraram os grãos de um silo e encaminharam para outro”.

Com 13 anos de profissão e há três na área de resgate em armazenamentos de grãos, Diego ressalta que os salvamentos realizados em espaços de confinamento são desafiadores e exigem preparo especializado das equipes, que estão em constate diálogo para compartilhar conhecimento.
“Verificamos, junto a nossa diretoria operacional e de ensino, que estavam começando a surgir várias ocorrências em Mato Grosso e, a partir dali, o Corpo de Bombeiros começou a se preparar”.
De acordo com o major, a maioria dos acidentes acontecem dentro do silo, quando o trabalhador é sugado pelos grãos, mas outros lugares também oferecem riscos, como a moega – onde entra a soja ou milho – e nos poços de elevadores. (Veja abaixo como é o funcionamento completo de um silo).

A morte no silo é cruel
O número de mortes no estado é alto, mas o Chefe da Seção de Fiscalização do Trabalho aponta que é necessário também refletir sobre como elas acontecem que, segundo ele, na maioria dos casos, é por engolfamento, um afogamento seco.

“A pessoa fica um bom tempo consciente, sabe que está sendo sugada, não tem onde se apoiar e fica consciente até o momento que ela vê o pulmão inteiro ser preenchido por grãos. É uma morte que chama à atenção pela crueldade”, diz Silvio José Sidney Teixeira.
Equipamentos poderiam salvar as vítimas?
Para o auditor-fiscal Rudy, as estratégias de resgates são de limitado êxito, quando se fala em espaços confinados. Por isso, ações de prevenção são tão importantes. Mas, deveriam ser no sentido de garantir que o trabalhador nem precisasse entrar em silos.
“O ambiente não foi pensado para que uma pessoa entre, trabalhe e opere em condições de saúde e segurança. Muitas vezes é alegado que faltou o uso do equipamento de segurança, mas eles não garantem a segurança do trabalhador”.
O especialista avalia que é pouca a possibilidade de um equipamento de proteção individual conter a morte do trabalhador, em um evento de imersão da vítima em uma massa de grãos.
“As forças envolvidas na imersão do trabalhador na massa de grãos farão com que ancoragem, cintos, máscaras não sejam suficientes para evitar a imersão e asfixia mecânica do trabalhador, que provavelmente vai ter um desfecho trágico”.
Risco ignorado
Apesar dos riscos existentes para os profissionais, o auditor-fiscal conta que durante as fiscalizações as equipes constataram outro grave problema: os trabalhadores de espaços confinados não têm a percepção do perigo que estão expostos.
“A capacitação que é dada pelas organizações ou, a falta dela, não tem oportunizado que o trabalhador tenha consciência dos riscos a que eles estão expostos e tolere, inclusive, executar atividades que sequer deveriam ser permitidas em uma estratégia de excelência de saúde e segurança do trabalho dentro das unidades de armazenamento de grãos”.
Normas de segurança que existem
No Brasil, a Norma Regulamentadora nº 33 é que estabelece os requisitos mínimos para os espaços confinados e gestão dos riscos ocupacionais, de forma a garantir permanentemente a segurança e saúde dos trabalhadores que interagem direta ou indiretamente nestes espaços.
No documento, é considerado espaço confinado qualquer área não projetada para ocupação humana contínua, com meios limitados de entrada e saída e que possui ou possa desenvolver atmosfera com contaminantes perigosos, deficiente ou enriquecida com oxigênio.
Uso de tecnologia
A solução que o especialista defende é o uso de tecnologias de engenharia, que já existem, e devem ser incorporadas desde o projeto do silo, para que não seja necessário o ingresso de trabalhadores nesses espaços de alto risco.
“Esse tipo de tolerância e de permissão é a raiz, é o estopim para um evento irrecuperável que vai ser ceifar uma, duas vidas ou até mais. Então, é preciso muita atenção de todas as organizações, de toda a sociedade e de todos os atores que atuam com olhos na prevenção da vida, prevenção de saúde e segurança nesses espaços de trabalho”.
Atuação de órgãos
O Ministério do Trabalho e Emprego fiscaliza empresas e faz ações preventivas, como campanhas, para levar conhecimento aos trabalhadores. Mas, ao perceber o crescimento de acidentes fatais em silos, o órgão ministerial criou um setor específico para atuar no estado.
“Hoje temos um projeto setorial em silos, que tem função preventiva. Nós fizemos em abril uma notificação especial para 280 grandes empregadores. Essa notificação foi acompanhada de uma palestra de orientação”, disse Silvio.
Paralelo a isso, o Ministério do Trabalho e Emprego também analisa os acidentes após o acontecimento, tanto os fatais como os que não tiveram mortes.
As empresas têm a obrigação de informar, por meio de CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), ao MTE sobre os acidentes, que tem a obrigação de fiscalizar.
Já o Ministério Público do Trabalho, se volta para a investigação desses acidentes de trabalho, com a apuração das causas e à dinâmica de trabalho que determinaram ou contribuíram para a ocorrência.
Uma vez identificadas falhas do empregador quanto à garantia de um meio ambiente de trabalho seguro, o MPT propõe a correção dessas irregularidades, via TAC (Termo de Ajuste de Conduta) ou ACP (Ação Civil Pública), para que a empresa cumpra as normas de segurança e novos acidentes não ocorram.
Além disso, pode ser exigida uma indenização, a título de dano moral coletivo, visando à compensação do prejuízo causado à coletividade, em razão do descumprimento das normas de segurança.
“A perspectiva de atuação do Ministério Público não é individual, mas coletiva. Ou seja, ele vai provocar, ele vai impor, vai ajustar a conduta da empresa pra modificar sua rotina, para beneficiar a coletividade dos trabalhadores”, explicou o procurador do Trabalho Bruno Choairy, coordenador regional da Coordenadoria de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat) do MPT-MT.
Créditos da matéria: Primeira Página
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