O coronel da reserva do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como major Curió, é alvo de uma denúncia do Ministério Público Federal (MPF) por homicídio qualificado e ocultação do cadáver do camponês Pedro Pereira de Souza, o Pedro Carretel. O coronel já foi recebido pelo presidente Jair Bolsonaro, no Palácio do Planalto, em maio de 2020.
O assassinato ocorreu no início de 1974, no sudeste do Pará. A vítima era integrante da guerrilha do Araguaia, movimento de resistência armada à ditadura militar brasileira.
Na época, Pedro Carretel tinha se entregado aos militares, estava preso e era obrigado a trabalhar como guia do Exército nas matas da região, segundo a denúncia. Um grupo chefiado por Curió levou a vítima de uma base militar conhecida como Casa Azul, em Marabá, até uma fazenda em Brejo Grande do Araguaia, onde ele foi executado enquanto estava sentado e de mãos amarradas.
Ainda de acordo com a denúncia, os demais membros das Forças Armadas que auxiliaram Curió a matar o guerrilheiro ainda não foram identificados ou já estão falecidos.
O cadáver de Pedro Carretel foi ocultado e os restos mortais não foram encontrados até o momento, registra a ação, assinada por sete procuradores da República integrantes da Força Tarefa (FT) Araguaia, do MPF.
A ação foi divulgada nesta segunda (16) e ajuizada no dia 9 de agosto. É a 10ª denúncia do MPF contra militares por crimes na repressão à guerrilha.
No total, são sete denúncias pelos assassinatos de dez opositores à ditadura; duas por sequestro e cárcere privado de seis vítimas; e uma por falsidade ideológica. Comandante da operação, Sebastião Curió é acusado em sete das dez ações.
Desde 2021, o MPF trava um embate jurídico pela responsabilização por atos criminosos cometidos no regime ditatorial, por considerar que representam atos de lesa-humanidade. Por isso, com base no direito internacional e em decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (caso Gomes Lund vs Brasil), trata-se de crimes não alcançados pela prescrição ou anistia.
Extermínio como política estatal
Dados oficiais, relatórios produzidos sobre o assunto e investigações realizadas pelo MPF atestam que a repressão política à guerrilha do Araguaia foi responsável por quase um terço do número total de desaparecidos políticos no Brasil.
Para o MPF, o extermínio dos guerrilheiros decorria de diretrizes padronizadas e planejadas pelo Exército, e não de excessos pontuais ou casos isolados. “As práticas criminosas traduziam a política estatal que determinou o comportamento dos agentes militares no Araguaia”, afirma.
“Essas práticas foram especialmente violentas durante a terceira e mais sangrenta fase de combate à guerrilha, batizada de operação Marajoara, da qual Pedro Carretel foi uma das vítimas. Essa campanha militar ficou caracterizada pela eliminação definitiva dos guerrilheiros, mesmo quando rendidos ou presos com vida, e pela forte repressão aos moradores locais como forma de obter informações e impedir a perpetuação da guerrilha”, destacam os procuradores.
Durante as investigações o MPF chegou à identificação correta da vítima, um avanço na garantia da memória que também cumpre com os objetivos da Justiça de Transição, conjunto de medidas adotadas para enfrentar um passado de ditadura.
Até o ajuizamento da denúncia, em vários documentos – inclusive oficiais – Pedro Carretel ou era citado apenas pelo apelido, ou era apresentado como Pedro Matias de Oliveira, ou sequer era mencionado.
O MPF então cruzou dados de documentos fornecidos à Comissão de Anistia e de documento do Exército com informações apresentadas por uma familiar da vítima ouvida pelo MPF, e conseguiu esclarecer o nome correto de Pedro Carretel, que é Pedro Pereira de Souza.
Mais informações sobre a atuação do MPF em Justiça de Transição foram reunidas no site www.justicadetransicao.mpf.mp.br.
Guerrilha do Araguaia
A Guerrilha do Araguaia foi um movimento contrário à ditadura militar, que atuou entre as décadas de 1960 e 1970.
O combate entre guerrilheiros e militares ocorreu no na divisa dos estados de Goiás, Pará e Maranhão, deixando mortos 67 opositores à ditadura.
Segundo o Ministério Público, Curió e os militares subordinados a ele chegaram a matar pessoas mesmo estando rendidas e sem apresentar resistência a eles.
“[Os crimes] foram comprovadamente cometidos no contexto de um ataque sistemático e generalizado contra a população civil brasileira, promovido com o objetivo de assegurar a manutenção do poder usurpado em 1964, por meio da violência”, afirma o MPF.
Serra Pelada
Em maio de 1980, Major Curió foi designado pelo regime militar interventor em Serra Pelada (PA). Na ocasião, ele se tornou a única autoridade civil e militar da região.
Curió proibiu a entrada de mulheres, cachaça e armas na zona de trabalho. O revólver dele, como costumava dizer, era o que “cantava mais alto”. Em 1982, Curió foi eleito deputado federal pelo Pará.
Em 2000, Major Curió foi eleito prefeito de Curionópolis (PA), assumindo o mandato em 2001.